Seu pensamento não viajava, seu coração não disparava. Percebeu que pensava e agia mundanamente e, ao invés de se encher de um vazio desesperado como lhe aconteceu em situações semelhantes, apenas se irritou mundanamente. Talvez por falta de criatividade, talvez por insensibilidade, não conseguiu vislumbrar nenhuma maneira de sair daquele estado e, sem o opressivo sentimento de derrota e impotência que lhe tomava quando tomava tal decisão, decidiu esperar.
A espera não o desesperou como de praxe, mas como estava todo estático, a espera o entediou e o irritou mais ainda, pois aquela ausência de pensamento lhe parecia uma grande perda de tempo. Queria escrever, pois sempre tinha muitas idéias e, atropelado por elas, não conseguia. Agora não podia por não lhe ocorrer nenhuma idéia. Ainda assim, serenamente, pegou seu bloco e uma lapiseira, sem se preocupar se seu plano daria certo. A lapiseira não funcionou e nunca uma coisa tão banal o incomodou tanto. Mas afinal, desta vez, esta coisa banal não foi escurecida na sombra de grandes temas existênciais e, então, foi sua vez de incomodar. Arranjou uma caneta vermelha, o que, no início, o incomodou também. Mas deixou os pequenos incomodos de lado e encarou a clara folha nova, totalmente vazia, o que — só depois foi perceber — aumentou a sua sensação de nada. Veja bem, é uma sensação de nada, não de vazio.
Ameaçava escrever, mas não começava. Despretensiosamente, e até com um certo desdém pela já tão batida metalingüagem, começou a descrever de maneira pobre esse estado pobre. "Seu pensamento não viajava, seu coração não disparava". Mas logo a pobreza de seu texto não mais o incomodou, pois lhe pareceu o modo mais profundo de descrever aquele estado raso, que logo lhe causou prazer pela intensa sensação de brandidade à sua volta.