Tuesday, July 28, 2009

Um homem à frente de seu tempo

"Um homem à frente de seu tempo é um homem solitário", escreveu o homem em seu caderno, à noite, pensando numa conversa que havia tido naquele dia, na qual um senhor de reconhecida erudição e inteligência, ante à sua excentricidade e não obstante lucidez, disse-lhe que era um homem à frente de seu tempo.

Os seus inúmeros fracassos que antes lhe pareciam frutos de uma irremediável incompetência, as suas desvalorizadas opiniões que já o fez pensar que tinha traços de insanidade, agora se mostravam fruto da incompreensão alheia. Algumas vezes já se questionou se estava errado, mas sempre acaba convencendo a si mesmo de que estava certo, apesar de nunca ter conseguido até então convencer os outros. Mas agora ele havia sido compreendido. Por apenas uma pessoa em toda sua vida, mas foi o suficiente para afastar todos os temores de ser ele realmente um lunático (e percebeu que esse temor é que era coisa de lunático). Agora ele sabia que sua mente não lhe estava pregando peças, agora ele sabia que tinha razão!

Como se isso fosse consolo, seu cansaço de viver e pessimismo deram lugar a uma satisfação de cumprimento do dever e a uma obstinação em continuar, através de sua excentricidade, a anunciar um tempo vindouro e triunfal e conclamar para a construção deste.

E incorrendo ao típico engano de homens à frente de seu tempo, que acreditam que podem sozinhos mudar o mundo, acreditou que aquela sentença solitária poderia mudar o mundo ao seu redor, quando na verdade, assim como homens que não pertencem ao seu tempo, ela era incompreensível e poderia, talvez, servir apenas de inspiração e estandarte para as gerações futuras. Talvez, pois ele sentia que não pertencia ao tempo presente, sabia que muito menos pertencia ao passado, mas não percebeu que isto não quer dizer que pertença a algum tempo futuro.

Da Sacada

Da sacada, olhava-a dentro do quarto com curiosidade. Sua curiosidade era uma farsa. Este seu ar só estava em seu rosto para que ela soubesse que suas intenções iam além das carnais, que pretendia passar algum tempo com ela, que pretendia realmente conhecê-la.
Mas a curiosidade exposta em seu semblante de olhos receptivos e de resto de quem não está ali era uma farsa. A curiosidade abandonava sua mente para dar lugar ao esforço de expressá-la, e só voltava quando tal esforço cessava.
Verdadeira ou falsa, sincera ou inventada, espontânea ou forçada, de nada adiantava sua expressão. Ela jamais tomaria conhecimento, pois não olhava para fora.
Tantas janelas da sua via e só ele sabia usá-las. Por uma delas viu uma televisão na qual alguém, oculto por uma cortina, assistia Big Brother. 'Para que Big Brother...' pensou, 'se você tem janelas?'
Seria medo de ser observado de volta?
Não podia acenar nem à mulher, nem à garota, elas viriam maldade e seu pai desejaria usar a maldade contra ele. Tentou acenar para a avó, mas ela o ignorou e olhou as estrelas. Nem a criança, ser de natureza curiosa, o viu.
Teve a impressão de que as crianças não são educadas para reparar nas pessoas, ele mesmo não tinha sido – ou pior, educado para não reparar.